Covid-19 e falta de recursos comprometem monitoramento de tremores no Brasil
Mapa das estações da Rede Sismográfica Brasileira
Diversas estações da Rede Sismográfica Brasileira (RSBR) estão sem receber manutenção por conta das recomendações de distanciamento social resultantes da pandemia da Covid-19 e por falta de recursos. Por isso, algumas estações já deixaram de operar, comprometendo o monitoramento da sismicidade no território brasileiro.
As estações transmitem dados em tempo real e demandam dois tipos de manutenção: preventiva, para limpeza e avaliação do funcionamento, e corretiva, realizada quando a estação efetivamente para de transmitir os dados. Essas manutenções são é fundamentais para que as estações continuem operando e devem ser realizadas a cada quatro ou seis meses. Mas muitas estão há quase um ano sem reparos.
Observatório Sismológico (OBSIS/UnB)
Conforme explicou Marcelo Rocha, coordenador do Observatório Sismológico da Universidade de Brasília (OBSIS/UnB) - uma das instituições que integram a RSBR - as manutenções não estão ocorrendo porque, além da falta de recursos, há dificuldades em enviar os técnicos ao campo. A UnB, por questões de segurança, recomendou que as atividades fossem temporariamente suspensas.
“As medidas tomadas pela UnB são justas e necessárias. Aqui no OBSIS todas as viagens de manutenção foram suspensas. Ninguém está viajando visando a segurança dos envolvidos, seguindo as recomendações da Universidade”, disse.
Estação ROSB-MA, localizada em Rosário – Maranhão
Atualmente, o OBSIS opera 25 estações da RSBR, cobrindo principalmente o Norte e Centro-Oeste do Brasil. Entretanto, em 2020, apenas uma estação recebeu manutenção e várias delas não recebem reparos há quase um ano. Seis já pararam de operar e, segundo Rocha, se a situação persistir, o número deve aumentar.
Outro agravante é a localização das estações, que estão em regiões de difícil acesso, como na região Amazônica. Como os técnicos precisam de transportes como aviões e barcos, ficariam ainda mais expostos se viajassem.
Como explicou o coordenador do OBSIS, a falta de manutenção compromete muito o monitoramento da sismicidade no Brasil. Ele observou que a cobertura já não é ideal, principalmente na região Norte, e quando uma estação para de operar, a capacidade de registro dos eventos é reduzida.
“Além disso, os dados gerados pelas estações são utilizados em trabalhos de imageamento da crosta e do manto sob o Brasil e América do Sul. A falta de dados de estações gera vazios de informações em áreas importantes, que contam com apenas aquele dado”, detalhou.
Laboratório Sismológico (LABSIS/UFRN)
Conforme informou a RSBR, recentemente 16 estações operadas pelo Laboratório Sismológico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LABSIS/UFRN), que integra a RSBR, receberam manutenção. No entanto, esse número representa apenas 17% do total de estações da Rede, e o caso foi uma excepcionalidade. O LABSIS opera ao todo 20 estações da RSBR, mas apenas 17 estão transmitindo dados.
Como destacou o coordenador do Labsis, Aderson Nascimento, a viagem só foi possível porque a reitoria da UFRN revisou a instrução normativa que suspendeu as autorizações de afastamento de servidores para viagens. Assim, por se tratar de um caso de extrema necessidade, a universidade autorizou o trabalho de campo mediante a assinatura de um termo de responsabilidade. Mesmo assim, as viagens de manutenção foram reduzidas substancialmente.
Aderson disse que essa viagem só ocorreu porque há um contrato vigente de transmissão de dados das estações e o sistema ainda não havia sido implementado. O apoio financeiro para a viagem veio do Instituto Nacional de Estudos Tectônicos e do projeto da Petrobras “Sismologia de fonte passiva aplicado a bacias sedimentares: Estudo de caso Bacia Potiguar, Araripe e Reconcavo-Tucano”.
Aderson comentou que, antes dessa viagem, algumas estações estavam sem manutenção desde o início de fevereiro e cinco delas estavam paradas.
“Um outro aspecto que deve ser observado é que a presença dos técnicos é fundamental para o engajamento dos moradores locais que, em muitas ocasiões, autorizam a permanência dos equipamentos em suas propriedades”, destacou.
Estação ITQB, localizada em Itaqui – Rio Grande do Sul
A região nordeste é particularmente importante por ser uma área sísmica nacional. Assim, a manutenção das estações e o apoio financeiro são fundamentais para o monitoramento de tremores na região.
“O LabSis/UFRN e a RSBR têm fornecido informações de forma muito expedita à comunidade e a gestores públicos, em particular à Defesa Civil dos estados onde temos estações sob nossa responsabilidade e operação”, finalizou Aderson.
Centro de Sismologia da USP
O caso do Centro de Sismologia da USP, integrante da RSBR, não é diferente. As 28 estações que o centro de sismologia opera não recebem manutenção de 9 a 14 meses. Desde o início da pandemia, ao menos 10 viagens já foram canceladas.
Segundo Jackson Calhau, coordenador das viagens de campo do Centro de Sismologia, duas estações já estão desligando durante a noite, outras três também terão o mesmo problema em breve, pois já apresentam baixos valores de tensão, e mais quatro estações já estão com o disco cheio, o que pode gerar perda de dados.
Calhau ainda observou que a queda de disponibilidade dos links de transmissão, causada pela falta de manutenção, influencia diretamente na detecção de sismos em tempo real. Além disso, outro problema da falta de manutenção é que os arbustos que crescem sobre os sensores geram ruídos que interferem na detecção dos tremores. E o mato alto em volta das estações atrai o gado que pode entrar no local e danificar os equipamentos.
Estação ACJC, localizada em João Câmara – Rio Grande do Norte
Para o coordenador do Centro de Sismologia, Marcelo Bianchi, a ausência de manutenção compromete muito o monitoramento pois afeta a capacidade de detecção e de localização dos sismos. E, enquanto as restrições continuarem a tendência é que a situação se agrave.
“A meu ver, é difícil dizer hoje o quanto do monitoramento já foi comprometido. O que já ocorreu é ao verificar a demanda de algum sismo, as estações mais próximas estarem inacessíveis, seja por problema de energia ou transmissão. Neste caso acabamos utilizando apenas estações distantes que dificultam a localização do evento”, explicou Bianchi.
Observatório Nacional (ON)
Sérgio Luiz Fontes, coordenador-geral da RSBR e pesquisador do Observatório Nacional (ON), que integra a Rede, foi enfático ao afirmar que os sismógrafos vão parar. Mas, segundo ele, a culpa não é só da pandemia.
Fontes explicou que, em 2019, o ON operou regularmente 20 estações da RSBR, mesmo diante das limitações orçamentárias do período. Já em 2020, a situação mudou drasticamente e nenhuma estação da RSIS (Rede Sismográfica do Sul e do Sudeste do Brasil) foi visitada.
Por isso, apenas 50% das estações estão transmitindo os dados continuamente, comprometendo o monitoramento da atividade sísmica no Brasil.
“Mesmo enfatizando que a falta de recursos é o principal empecilho para assegurar a aquisição contínua de dados em todas estações, a pandemia do novo coronavírus tem inviabilizado qualquer atividade de campo dos profissionais do ON desde a segunda quinzena de março”, ressaltou.
Estação MAJ01, localizada em Major Gercino - Santa Catarina
Segundo o coordenador da RSBR, isso impede estimar com precisão as localizações dos tremores no Sudeste, justamente a região mais populosa do país. Além disso, prejudica os estudos sobre a litosfera terrestre na região, atrasando a elaboração de publicações científicas relevantes para o aumento do conhecimento geológico no país.
“Já vivemos período de falta de recursos para manutenção da RSBR no passado recente. Talvez por vocação da sociedade brasileira que só reage após catástrofes, voltamos a contar com recursos depois do rompimento da barragem de rejeitos de Mariana (MG) em novembro de 2014. O que virá depois da pandemia?”, questionou Fontes.
Sobre a Rede Sismográfica Brasileira
A Rede Sismográfica Brasileira é constituída pela Rede Sismográfica do Sul e do Sudeste do Brasil (RSIS), sob a coordenação do MCTI - Observatório Nacional; da Rede Sismográfica do Nordeste do Brasil (RSISNE), sob a coordenação da UFRN, da Rede Sismográfica Integrada do Brasil (BRASIS,) sob a coordenação do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP, e da Rede Sismográfica do Centro e Norte do Brasil (RSCN), sob coordenação da UnB.
Lorena Amaro
Coordenadora de Comunicação
Rede Sismográfica Brasileira (RSBR)
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